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Assumir os cachos transformou a vida dessas mulheres

Aceitar o próprios fios é um ato político e empoderador. Veja como as madeixas podem mudar uma vida.

Por Aline Takashima (colaboradora)
Atualizado em 15 abr 2024, 08h52 - Publicado em 3 out 2016, 10h34

Os cabelos de Heloísa Helena Assis, a Zica, como é conhecida, sempre foram o seu maior orgulho. Ela atribui aos cachos grossos o principal diferencial para ganhar concursos de beleza na adolescência. Mas, foi obrigada a alisar os fios quando começou a trabalhar como empregada doméstica. “O meu black, que eu amava, era associado à sujeira e desleixo. Era minha alegria e eu perdi isso”, lamenta. Aos 21 anos, decidiu retornar às origens. Testou diversas matérias-primas por 10 anos. Até receber um elogio de uma prima pelas suas madeixas bem cuidadas. “Já elogiaram minha simpatia, competência e sorriso. Mas nunca o meu cabelo. Foi aí que descobri uma inovação”, ressalta a empresária de 56 anos. 

Daryan Dornelles
Daryan Dornelles ()

Zica Assis montou o primeiro salão de beleza especializado em cabelos cacheados e crespos, no Brasil

Em 1993, ela abriu um pequeno salão de beleza com outros três sócios, o primeiro no país especializado em cabelos cacheados e crespos, no bairro da Tijuca. Como esperado, a rede cresceu. Conta com 47 unidades de negócios, uma fábrica de cosméticos e um centro onde são desenvolvidos cursos para funcionários – 90% mulheres e 70% delas ex-clientes. “O mercado não enxergava as negras como consumidoras. E foi exatamente o que fizemos”, explica. Não à toa, ela venceu o Prêmio CLAUDIA 2012, na categoria Negócios. 

Muito além das tendências e da moda, assumir a identidade e o cabelo natural requer coragem. Alexandra Loras, 39 anos, ex-consulesa da França e jurada do Prêmio CLAUDIA, contou com a ajuda de movimentos de mulheres negras como o Movimento Crespo e as Cacheadas para assumir os fios. “Eu não me lembrava mais dos meus cachos, faz mais de 30 anos que aliso. Assumir o cabelo crespo foi um ato político”, revela.  

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Desde que se mudou para o Brasil, em 2012, Alexandra levanta a bandeira contra o racismo. Durante os últimos quatro anos, a porta-voz do feminismo negro apresentou-se nas escolas, universidades e instituições com os cabelos compridos, lisos e bem cuidados. Mas, com a ajuda de outras mulheres negras, enfrentou o período de transição capilar, assumiu os seus fios e abandonou, como chama, a “ditadura do alisamento”. 

Alessandra Levtchenko
Alessandra Levtchenko ()

“Eu não me lembrava mais dos meus cachos, faz mais de 30 anos que aliso. Assumir o cabelo crespo foi um ato político”, revela a ex-consulesa, Alexandra Loras 

Alexandra se formou no tradicional Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po, na sigla francesa), com mestrado em Ciência da Informação. E trabalhou como âncora em um programa de política na televisão francesa. Deixou o cargo ao assumir um relacionamento com o ex-cônsul-geral da França, Damien Loras. Mãe do loiríssimo Raphael, de 4 anos, já foi confundida com uma babá do próprio filho, no Brasil. Nas festas em sua casa, alguns convidados já lhe deram o casaco para ser pendurado, por acharem que era uma governanta. Ela se recusa a ocupar o papel de vítima e é enfática: “o Brasil é um dos países mais racistas do mundo”. 

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Para a francesa, tanto as mulheres negras com cabelos lisos ou crespos sofrem preconceito. E admite que assumir os cachos incomoda. “Nós estamos quebrando o padrão de beleza imposto pela sociedade e isso sempre perturba algumas pessoas. Ao mesmo tempo, nos aceitar como somos nos aproxima da nossa real identidade e nos empodera”, revela. 

Em 2015, as vendas de produtos para alisar ou enrolar o cabelo apresentaram uma queda de 26% em comparação com o ano anterior, de acordo com a Associação Brasileira de Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. Ou seja, mais pessoas estão adotando o formato natural das madeixas, mesmo que o processo para assumir os próprios fios não seja fácil. 

“Bruxa”, “cabelo bombril”, “cabelo bandido: ou está preso ou armado”, foram algumas das “brincadeiras” que Stephanie Ribeiro, arquiteta e militante do feminismo negro, de 23 anos, escutou durante a infância. “Hoje eu reconstruí minha autoestima que foi totalmente mutilada por tantas ofensas. Mas foi difícil. Quando parei de alisar e de fazer relaxamento me senti horrível. Com o tempo, parei de me ver como uma mulher feia. Com o apoio de mulheres negras, passei a ter orgulho de ser uma mulher negra também.”

Mariara Difranco
Mariara Difranco ()

A arquiteta e militante Stephanie Ribeiro aprendeu a amar o seu cabelo com a ajuda de outras mulheres negras

A ativista social e analista de responsabilidade social na multinacional Thomson Reuteurs, Raquel Helen Santos Silva, 25 anos, enfrentou uma situação parecida com a de Stephanie. Ela e a irmã eram as duas únicas negras no curso de inglês, e a maioria dos seus colegas da escola eram brancos. “Sempre tive a impressão que era diferente das minhas amigas. Quando eu era pequena, não gostava do meu cabelo. A partir dos 13 anos eu comecei a alisar e fazer escova. Estava sempre insatisfeita.” Hoje, ela alterna o cabelo solto e natural e tranças afro. 

Pablo Saborido
Pablo Saborido ()

Raquel Helen Santos Silva, finalista na categoria Revelação, do Prêmio CLAUDIA

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Raquel foi uma das cinco escolhidas entre 60 jovens do mundo para estar no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça; abriu o discurso de Michelle Obama, primeira-dama americana, em Brasília; e é uma das finalistas do Prêmio CLAUDIA, na categoria Revelação. Com propriedade de quem participa e lidera projetos de igualdade de gênero, ela ressalta que, independente da forma do cabelo, o que importa é a mulher sentir-se bem com a sua aparência e poder escolher. 

“Tem gente que diz: ‘Nossa, não acho legal meninas mestiças e mulatas alisarem o cabelo´. Eu não acho isso. É justamente o contrário. Se elas sentem que devem alisar, que façam e sintam-se lindas. Mas também não concordo quando é uma imposição social, do tipo, ‘se ela não fizer alisamento ela não é bonita ou uma boa profissional’”, explica. 

E afirma que usar o cabelo natural é uma forma de posicionamento político e de aceitação. “É ótimo você andar no mundo da forma como você quer”, e complementa: “também acho muito legal conhecer as meninas dos diversos movimentos que incentivam o uso dos cabelos na sua forma natural.” A exemplo do Coletivo Meninas Black Power, um dos vários grupos criados com a intenção de fortalecer a autoestima das mulheres negras. O movimento surgiu virtualmente em 2012, e atualmente conta com encontros presenciais e oficinas nas escolas. Participam do grupo 6 mulheres do Rio de Janeiro e 2 do Espírito Santo. 

Suzane Santos
Suzane Santos ()

Parte do Coletivo Meninas Black Power. Da esquerda para a direita: Karina Vieira, Jaciana Melquiades, Tainá Almeida e Élida Aquino

O Coletivo realiza atividades em escolas, onde ensina a cultura e história da população negra e apresenta os diferentes tipos de cabelo e tonalidades de pele com bonecas.  “Ao contrário das meninas do grupo, essas crianças têm a chance de conhecer e amar o próprio cabelo desde novinhas e não ter vergonha de se identificar como pretas”, explica a produtora de audiovisual e integrante do grupo, Jessyca Lirins, 21 anos. Mas até alcançar uma mudança efetiva há um longo caminho a ser percorrido. 

A ex-consulesa Alexandra Loras realizou um mestrado sobre a invisibilidade do negro na televisão francesa. E ressalta que aqui, no país onde há a maior população de negros fora da África, falta representatividade afrodescendente na mídia. “As negras sempre são retratadas como as empregadas ou são hipersexualizadas, dificultando que elas se enxerguem em outros papéis na sociedade. Precisamos ter mais diversidade nos desenhos animados e ver negros e negras em cargos de liderança na mídia, novelas e filmes. Os livros didáticos precisam falar sobre as grandes figuras negras como Teodoro Sampaio, André Rebouças, Machado de Assis e Carolina de Jesus.”

A arquiteta Stephanie Ribeiro também concorda com Alexandra. “Somos lembradas em novembro pois é o mês da consciência negra, para falar sobre racismo, e em novelas sobre a periferia e o período escravocrata. Eu também quero falar de arquitetura e urbanismo, não sou só uma mulher negra que fala sobre racismo. As pessoas ainda não veem negros como sujeitos, essa é a questão.”

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